Caros amigos, neste Natal muito sombrio para mim parece que o Senhor veio ao meu encontro daquele jeito Dele, misterioso e provocante. E Ele fez isso chamando para si um meu amigo caríssimo; ele até me visitou, quando ainda estava em Dom Pedro. Ele faleceu de parada cardíaca no dia 13 de dezembro. Desde então na minha cabeça não saiu a lembrança do Natal de uns anos atrás que nós “partilhamos” ali na América Latina. Eu conheci ele, quando ainda dava aula em Milão: éramos colegas, eu dava aula de religião e ele de matemática.
Após uns dois anos que estava em Dom Pedro, ele me comunicou que tinha se aposentado com antecedência, para ir no Chapas, no sul do México para fortalecer a matemática dos professores do Ensino fundamental das Comunidades zapatistas.
Foi assim que naquele Natal de 2004, ou 2005 não lembro direito, concordamos de nos falarmos pelo Skype. Na tarde do Natal, ou no dia seguinte, falamos dos nossos trabalhos, do jeito de celebrar o Natal nestes dois países da América Latina e das grandes injustiças que atormentam estes povos. Inclusive me contou que naqueles dias ele, com uma Comissão dos Direitos Humanos, teve que se deslocar às pressas num povoadinho bem distante, para fazer um relatório sobre as consequências de um ataque de esquadrões paramilitares naquele mesmo lugar. Ele me contou da viagem bastante cansativa e de como, naquela noite de Natal, dormiu no chão sobre umas tábuas no meio dos piolhos.
Ao ouvir isso, eu tentei sondar se não tivesse alguma outra opção, para se alojar de forma menos dura. Ao que ele, com toda simplicidade, me respondeu: “Infelizmente para este povo isso é a normalidade. Por que eu não deveria partilhar esta condição deles? ”. Ainda hoje, lembrando aquela conversa, sinto aquela emoção na barriga, que senti ao ouvir aquelas palavras. Enquanto ele falava, eu pensava comigo mesmo: “Realmente ele passou a Noite do Natal de uma forma bem mais autentica e cristã do que eu, mesmo que eu tenha celebrado a Missa do nascimento de Jesus”. Mas fiquei ainda mais desnorteado, lembrando em mim mesmo que ele era ateu e daqueles ateus que não escondem, nem se envergonham desta opção.
Para contar a verdade toda, nós nos conhecemos, porque eu fiquei irritado e quis comentar com ele uma camiseta dele com escrita esta frase de Bunuel: “Graças a Deus eu sou ateu”. Na verdade, após nos termos esclarecidos, eu sempre fiquei admirado pelo conhecimento e a admiração que ele tinha por Jesus e seu projeto; ao ponto que ele muitas vezes se referia ao Evangelho em suas lutas ao lado dos pobres e oprimidos.
No início de nossa amizade, várias vezes eu não consegui me conter e dizia para ele que era muito mais cristão do que eu. Ele não gostava disso e, com uma firmeza educada, pedia-me que respeitasse a opção dele. Talvez, neste momento lá no Céu ainda está resmungando, ouvindo estas minhas colocações, apesar de ter descoberto que eu tinha razão…
Realmente estes caminhos de Deus são bem esquisitos e misteriosos! Infelizmente, além da tragédia que está atravessando a Diocese de Grajaú e a hierarquia do Maranhão que encoberta tudo isso, também aqui na Diocese de Milão a gente percebe esta escandalosa tendência em separar o Cristo do sacrário daquele encarnado nos pobres e nos oprimidos. Sempre mais descubro quanto seja verdadeira esta intuição do escritor francês Charles Peguy: “Não aceito… os que não sabem amar os seres humanos, porque pensam de amar a Deus”.
Realmente é muito triste observar como muitas pessoas fazem o bem, apesar de estar longe da Igreja, enquanto quem mais frequenta e está perto do altar, muitas vezes, leva no coração o diabo!
Mas a Encarnação do Filho de Deus não veio trazer esta perversidade…
Peçamos ao Menino Jesus que nos liberte deste grande perigo.
Pe. Marcos