“Rafael Correa lançou nos últimos dias duas importantes iniciativas relacionadas aos paraísos fiscais, após as revelações dos Panamá Papers que sacudiram a política latino-americana”
O Equador é um país latino-americano pequeno, mas com uma voz cada vez mais influente no plano regional e global. Sua posição em torno do caso de Julian Assange, há quatro anos refugiado na Embaixada deste país em Londres, outorgou-lhe visibilidade na defesa da verdadeira liberdade de expressão, ameaçada após os vazamentos do Wikileaks e o embate judicial sobre seu fundador.
Há dois anos, na Metade do Mundo encontra-se a sede da Unasul – batizada assim por Néstor Kirchner em homenagem ao seu primeiro secretário-geral –, onde este organismo regional realiza seus trabalhos cotidianos. E como se fosse pouco são bem conhecidas as críticas de Correa à OEA e à submissão desta instituição à vontade deWashington em relação à região, algo que não se vislumbra na autônoma Celac, cuja reunião, este ano, aconteceu em território equatoriano e onde o Chefe de Estado equatoriano fez as honras de anfitrião.
Nesse marco, de crescente notoriedade no debate público internacional, Rafael Correa lançou nos últimos dias duas importantes iniciativas relacionadas aos paraísos fiscais, após as revelações dos Panamá Papers que sacudiram a política latino-americana.
A primeira: sua ideia de levar à próxima Assembleia Geral da ONU, em setembro próximo, o debate sobre estas instâncias que fragilizam a soberania econômica dos nossos países. Disse-o claramente o chanceler Guillaume Longna reunião da OEA na República Dominicana ao afirmar que “os paraísos fiscais são verdadeiros atos de traição às nossas pátrias, razão pela qual o Equador irá propor que sejam incluídos na agenda da Assembleia Geral dasNações Unidas, em setembro deste ano. Todos temos a responsabilidade de encarar este fenômeno”.
A segunda: realizar uma consulta popular, no Equador, sobre a incompatibilidade entre exercer cargos públicos e ter bens ou capitais, de qualquer natureza, em paraísos fiscais. Isto levaria a modificar, no caso de o resultado ser favorável ao SIM, a Lei Orgânica do Serviço Público a fim de adequar a normativa vigente ao pronunciamento do povo equatoriano, o que poderia acontecer simultaneamente à próxima eleição presidencial, prevista para fevereiro próximo. A partir da sua aprovação, todos os pretendentes de cargos eletivos teriam o prazo de um ano para repatriar seus fundos, depois do que ficariam inelegíveis.
Para dimensioná-lo em números: o governo equatoriano estima em 30% do PIB os fundos de cidadãos equatorianos fora do país, especialmente nestas guaridas fiscais idealizadas para evasão. Uma importante soma para um país golpeado pela queda dos preços internacionais do petróleo e que enfrenta, além disso, altos custos com a reconstrução das regiões prejudicadas pelo gravíssimo terremoto de abril passado. Por isso, a luta contra a proliferação dos paraísos fiscais é uma bandeira importante para o governo de Correa, sob a formulação de um “pacto ético” que o presidente propôs em maio passado.
As comparações são inevitáveis: o que aconteceria se houvesse uma iniciativa similar na Argentina e no Brasil, onde as revelações golpearam, respectivamente, o presidente Macri e o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, ambos com titularidade de empresas offshore? A consulta popular equatoriana abrirá um precedente para debates no resto do continente em relação à incompatibilidade de exercer funções públicas tendo milhões guardados em paraísos fiscais?
Seja como for, o Equador inclui na agenda continental um tema que se vincula com sua orientação geral de propor uma política econômica autônoma, exatamente no momento em que recrudesce o confronto entre dois modelos econômicos bem diferentes na região.
Correa tem uma virtude que costuma dar frutos na política: a audácia para provocar imprevisibilidade em seus adversários, com iniciativas contundentes. No caso de a consulta popular avançar, a direita equatoriana deverá escolher entre repatriar seu dinheiro e participar na política, ou continuar com a especulação, mas já desde o âmbito privado. Seja qual for o resultado, a iniciativa equatoriana antecipa um debate cada vez mais necessário em todos os