Terminou a Convenção Nacional Democrata dos Estados Unidos, na qual Hillary Clinton foi consagrada como candidata do partido à presidência do país. Agora começa a campanha mano a mano, Clinton contra Donald Trump.
A reportagem é de Cameron Doody e publicada por Religión Digital, 02-08-2016. A tradução é de André Langer.
Mas, quem é o homem que a candidata escolheu para acompanhá-la na longa corrida rumo à Casa Branca, o senador do Estado da Virgínia e candidato à vice-presidência Tim Kaine?
Segundo afirma William D’Antonio, professor de Sociologia da Catholic University of America, em Washington, trata-se de um católico “ao estilo do Papa Francisco”: um defensor dos pobres e lutador da justiça social.
Segundo informou o Religion News Service quando veio à tona a escolha de Kaine – há uma semana –, o candidato de Clinton para a vice-presidência é um homem influenciado pela espiritualidade jesuíta da qual bebeu na sua infância em um colégio da ordem e sobre a qual – como outros aspectos de sua fé pessoal – não tem receio de discutir em público, embora sempre procure separar o pessoal do público.
Passou um ano como missionário em El Progreso, Honduras, motivo pelo qual domina bastante bem o espanhol. É, além disso, defensor do sacerdócio das mulheres e um admirador confesso da Laudato Si’, a encíclica do Papa Francisco sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
Desde que Thomas Tobin, bispo de Providence, Rhode Island, atacou Kaine e seu catolicismo no dia seguinte ao anúncio da sua indicação à vice-presidência, prestou-se muita atenção à fé pessoal do até agora senador. Mas essa análise, em sua maior parte, tendeu a reduzir as crenças de Kaine às suas posturas sobre certas questões políticas de máxima incandescência para a sociedade estadunidense. Com outras palavras, atacou-se sua religião para poder atacá-lo politicamente.
É verdade que Kaine acaba de anunciar sua oposição – de acordo com a política democrata – a uma emenda da lei do aborto dos Estados Unidos que restringia o acesso a subvenções federais para mulheres que querem interromper sua gravidez, mas é igualmente verdade que Kaine, pessoalmente, professa estar contra a prática do aborto.
“Creio profundamente, e não apenas como um tema político, mas moral, que decisões sobre a reprodução e a intimidade e as relações e a contracepção são pessoais”, comentou Kaine ao programa de televisão Meet the Press, numa entrevista concedida exatamente há um mês. “São decisões morais que as pessoas devem tomar por si mesmas. Não é preciso que o governo se meta nestas decisões pessoais”.
O bispo Tobin, ao criticar Kaine em uma mensagem no Facebook, observou que, embora o senador tenha dito que sua fé é “o centro de [sua] vida pessoal”, “pelo que parece, e infelizmente, sua fé não é o centro da sua vida pública e política”. Mas é aquilo que o prelado tentou jogar como insulto o que vem a ser uma virtude que Kaine foi cultivando ao longo dos seus quase 20 anos na política.
Em plena campanha a uma vaga no Senado dos Estados Unidos, em outubro de 2012 – e já tendo deixado seu cargo de governador do Estado da Virgínia –, refletiu, em uma entrevista para o jornal The Washington Post, sobre qual foi, para ele, a parte “mais incômoda” do seu trabalho à frente do Executivo estadual: o dever de aprovar as penas de morte. “Tenho uma posição moral contrária à pena de morte”, disse ao jornal. “Mas, jurei que a defenderia. Cingir-se a um juramento também é uma obrigação moral”.
Coisas semelhantes aconteceram em relação às posturas de Kaine relativas a outros temas candentes, como o casamento homossexual ou a adoção de crianças por parte de casais do mesmo sexo. Certamente, tentou obter uma vantagem política com suas bastante frequentes – e amplamente comentadas – mudanças de opinião nestas questões, mas ele as explica no contexto de uma busca de um bem maior.
Deixou-se guiar, diz ele, por uma convicção de não colocar “barreiras artificiais” no caminho das pessoas: no caso da adoção, por exemplo, de não sobrepor nada ao interesse da criança que estaria melhor com dois pais em vez de nenhum.
“Faço o que faço por razões espirituais”, afirmou Kaine em outra entrevista para a cadeia C-SPAN, em 1º de junho deste ano. “Sempre estou pensando na realidade momentânea, mas também em como se conecta com as coisas maiores, com o que realmente importa na vida”. E como exemplo destas “grandes realidades” que tanto preocupam ao vice-presidenciável – que melhor revelariam sua simpatia com o atual Papa – se poderia citar sua inquietude em relação ao meio ambiente e seu desejo de que se crie para as mulheres na Igreja um espaço de maior, e melhor, participação.
Kaine não apenas revelou seu acordo com o posicionamento do Papa Francisco sobre o cuidado do meio ambiente como uma verdade fundamental – uma questão de fé –, ultrapassando considerações meramente ecológicas, econômicas ou políticas, mas nessa época – dias antes da visita do Papa aos Estados Unidos, em setembro de 2015 –encorajou o Pontífice a “colocar a Igreja no caminho da ordenação das mulheres sacerdotes”.
Desde já, seria absurdo sustentar que Kaine e Clinton sejam os candidatos ideais do Papa Francisco. Mas, como notou o professor de Sociologia da Catholic University of America, William D’Antonio: “Pare um momento e se pergunte: quem reflete melhor a maneira como Francisco olha o mundo? E você responde, sem nenhuma dúvida, de que não é, absolutamente, Donald Trump”.