O México que Francisco vai ver é assolado por múltiplos problemas, talvez ainda mais do que havia quatro anos atrás. Há uma violência inimaginável envolvendo cartéis de drogas e milhares de desaparecidos (não muito diferente do que existiu no Chile e na Argentina durante a época de ditadura); há uma ausência flagrante do Estado de direito, da justiça e condições difíceis para os migrantes de outros países da América Central. O sentimento nativista e anti-imigratório nos EUA, aumentado por uma série de candidatos republicanos à presidência, complicam mais ainda o quadro geral, dados os laços sociais e econômicos estreitos entre os dois países”, escreve Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo e diretor do Institute for Catholicism and Citizenship, na University of St. Thomas, nos EUA, em artigo publicado por Commonweal, 13-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Passaram-se apenas quatro anos desde que Bento XVI visitou o México, o segundo maior país em população católica no mundo depois do Brasil. Mas a chegada do Papa Francisco neste fim de semana sinaliza algo diferente: em parte, mas não só, porque ele é ó primeiro pontífice latino-americano.
O México que Francisco vai ver é assolado por múltiplos problemas, talvez ainda mais do que havia quatro anos atrás. Há uma violência inimaginável envolvendo cartéis de drogas e milhares de desaparecidos (não muito diferente do que existiu no Chile e na Argentina durante a época de ditadura); há uma ausência flagrante do Estado de direito, da justiça e condições difíceis para os migrantes de outros países da América Central. O sentimento nativista e anti-imigratório nos EUA, aumentado por uma série de candidatos republicanos à presidência, complicam mais ainda o quadro geral, dados os laços sociais e econômicos estreitos entre os dois países.
Enquanto isso, a economia mexicana é, agora, a quarta maior do mundo, em grande parte devido a extrações de recursos naturais em regiões indígenas, cujos habitantes veem pouco os frutos deste desenvolvimento. O papa que publicou Evangelii Gaudium em 2013 e Laudato Si’ em 2015 obriga-se a ser tal situação de uma forma que não foi vista por seus antecessores; não que a sua mensagem social seja totalmente diferente, mas é que o seu pano de fundo o faz assim.
As visões de sociedade, economia e política de Francisco derivam, de uma maneira muito mais destacada, do documento Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II (1965), e da encíclica Populorum Progressio (1967)0 de Paulo VI. Além disso, a sua abordagem quanto aos problemas sociais, econômicos e políticos de um dado país é menos influenciada pela posição vaticana com respeito à Teologia da Libertação, posição que começou a se solidificar na década de 1980; após uma relação complicada com essa teologia na qualidade de jesuíta na Argentina, Francisco fez as pazes com ela. A mensagem da libertação se tornou parte integral de seu pontificado, e este desenvolvimento teológico contribui para a sua compreensão do catolicismo mundial e da Igreja do “sul global” – da qual a Igreja latino-americana faz, com certeza, parte. Teologicamente, um dos aspectos mais interessantes da viagem de Francisco ao México é ver como ele vai ensinar sobre uma Igreja e uma tradição religiosa que é bem diferente da cultura católica argentina, esmagadoramente branca e culturalmente europeia.
É também interessante olhar para a viagem de Francisco em termos de onde o México se encontra agora em comparação com o seu lugar paradigmático no catolicismo do século XXI. Se, na década de 1920, a Itália e a Alemanha encarnaram um totalitarismo que tentou fazer acordos com o Vaticano e a Rússia soviética foi a concretização do comunismo ateu, então o México foi o palco para uma modernização política radical alimentada pela perseguição da Igreja e pela opressão religiosa, à qual o catolicismo respondeu com o clericalismo dos Legionários de Cristo. Mas o México que Francisco encontra não mais é o país que fez o catolicismo se centrar em si mesmo, e a Igreja Católica não mais depende do modelo dos Legionários (não só por causa da agora infame vida dupla do fundador da ordem, Marcial Maciel). Em seu discurso aos bispos no sábado, o papa convidou-os a não contar com o clericalismo e o triunfalismo.
Isso tem consequências também para a função pública da Igreja (em sua alocução no Palácio Nacional sábado,Francisco prometeu ao presidente Enrique Peña Nieto que “o governo do México pode contar com a cooperação da Igreja Católica”). O México é um exemplo da transição para longe dos sistemas do século XX, de relações ideológicas entre a Igreja e o Estado (num espectro que vai desde a Igreja estabelecida dos regimes fascistas até o ateísmo oficial dos Estados comunistas), e em direção a um novo modelo de cooperação em um mundo multirreligioso e multicultural, cujas características não estão completamente claras ainda. A própria abordagem profundamente anti-ideológica de Francisco incorpora esta transição no catolicismo mundial hoje.